Por Joelson Nascimento
1. Ira
(orgḗ) e Calma (praótēs)
“Vamos
admitir que a ira é um desejo acompanhado de dor que nos incita a exercer
vingança explícita devido a algum desprezo manifestado contra nós, ou contra
pessoas de nossa convivência, sem haver razão para isso” (Rt, II, 1378a). A partir dessa afirmativa,
Aristóteles conclui que o iracundo direciona esse sentimento a um homem em particular,
não contra a humanidade. Não importa se o agravo aconteceu ou estava na
iminência de acontecer, a ira manifesta-se nessas duas situações. Ira e prazer
mantem-se juntos, pois há a possiblidade da vingança:
De fato, existe prazer em pensar que se
pode alcançar o que deseja; mas como ninguém deseja o que lhe é manifestamente
impossível, o irascível deseva o que lhe é possível [...] por isso há um certo
prazer que acompanha a ira, e também porque o homem vive na ideia de vingança,
e a representação que então se gera nele inspira-lhe um prazer semelhante ao
que se produz nos sonhos (Rt, II,
178b).
A ira também é gerada pelo desdém (oligōría). Este, por sua vez, é gerado pelo desprezo (kataphrónēsís), pelo vexame (epēpreasmós) e pelo ultraje (hýbris).
“A calma pode ser definida como um apaziguamento e uma pacificação da cólera” (Rt, II, 1380ª). A ira, como vimos, está ligada ao desprezo, e aqueles que se comportam de maneira contrária aos iracundos são considerados para Aristóteles calmos. Esse páthos direciona-se principalmente para aqueles que admitem seus erros porque sentem o sofrimento do outro: “castigamos sobretudo os que nos contradizem e negam as suas faltas, mas apaziguamos a nossa cólera com os que reconhecem que são castigados com justiça” (Rt, II, 1380a). O reconhecimento dos erros, anula a ira.
2. Amizade
(philía) e Inimizade (éktra)
“Amar é
querer para alguém aquilo que pensamos ser uma coisa boa, por causa desse
alguém e não por causa de nós [...] É amigo aquele que ama e reciprocamente é
amado” (Rt, II, 1380a - 1381b). Um amigo se
alegra com aquilo que nos alegra, assim como se estristece com aquilo que nos
faz triste. Amigos também são aqueles que consideram as mesmas coisas boas e
ruins; possuem um gosto em comum. O amor volta-se para as pessoas que nos fazem
o bem, para aquelas que cuidam de nossos amigos como também as que nos prestam
serviços. Amamos também os amigos de nossos amigos: se eles os amam, também
esse sentimento será por nós alimentado, como também aqueles que possuem
inimigos em comum. A inimizade nasce da cólera, do vexame e da calúnia.
3.
Temor (phóbos) e Confiança (thársos)
“O medo consiste numa situação
aflitiva ou numa perturbação causada pela representação de um mal iminente,
ruinoso ou penoso” (Rt, II, 1381a, p. 174). Nem todo mal
gera temor, mas somente aquele que causa danos grandiosos, mesmo se estiver na
iminência de acontecer. Coisas mais distantes não pode nos aterrorizar ou todas
as pessoas viveriam temendo a própria morte; o que tememos, conforme
Aristóteles (Rt, II, 1382b), são os
sentimentos de cólera, principalmente daquelas pessoas que têm o poder de nos
fazer mal e a injustiça através do poder.
Se o medo é acompanhado pelo pressentimento do que vamos
sofrer algum mal que nos aniquila, é óbvio que aqueles que acham que nunca lhes
vai acontecer nada de mal não têm medo, nem receiam as coisas, as pessoas e os
momentos que, na sua maneira de pensar, não podem provocar medo (Rt, II,
1381a).
Os prósperos não acreditam que
mal algum lhes aconteça; também os que já sofreram bastante na vida tornam-se
menos temerosos em relação ao futuro[1]. A
confiança é o contrário do que do medo.
4.
Vergonha (aiskhýnē) e Desvergonha (anaiskhyntía)
A
vergonha pode ser definida como certo pesar ou perturbação de espírito
relativamente a vícios, presentes, passados ou futuros, suscetíveis de
comportar uma perda de reputação. A desvergonha consiste num certo desprezo ou
insensibilidade perante estes mesmos vícios (Rt, II,
1383b).
Os vícios sobre os quais
Aristóteles está fala são aqueles considerados desonrosos: um soldado abandonar
uma batalha; tratar alguém injustamente; ter relações sexuais com pessoas
indevidas ou em momentos e lugares também indevidos[2];
aproveitar-se de incapazes (o que inclui também os cadáveres[3]) e dos
pobres; ter uma boa situação econômica e não ajudar os amigos ou ajudá-los com
pouco; fazer um elogio a algo cobiçando-o; elogiar alguém em sua presença. A
desvergonha é o contrário do que diz Aristóteles sobre a postura diante dos
vícios vergonhosos.
5.
Amabilidade ou Favor (kháris)
“O favor pode ser definido
como um serviço em relação a qual aquele que o faz diz que faz um favor a
alguém que tem necessidade, não em troca de alguma coisa, nem em proveito
pessoal, mas só no interesse do beneficiado” (Rt, II, 1385a). Ser amável,
na concepção de Aristóteles, é ser útil ao outro, não esperando uma retribuição
do bem praticado. Um favor é considerado importante se ele possuir o caráter da
extrema necessidade, ser de difícil conclusão, quando a situação for delicada,
quando o favor é realizado por uma só pessoa ou quando ela é a primeira a
ajudar. O favor, aqui, só se torna efetivo quando supre um desejo. Entre estes,
Aristóteles dá o exemplo do amor, dos maus tratos físicos e das situações de
perigo. A gratidão, nesse caso, não está no tamanho do favor, mas sim na
necessidade de cada um. Por exemplo, para uma pessoa pobre, pedir uma soma
grande de dinheiro para comprar alimento para sua família é considerado um
favor de extrema importância, no entanto, para quem tem condições financeiras,
emprestar o dinheiro torna-se um favor simples. Isso justifica a gratidão expreessada,
segundo Aristóteles, pelos pobres e exilados (Rt, II, 1385ª).
6. Piedade (éleos)
“A piedade consiste numa certa
pena causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afetando quem não
merece ser afetado, podendo também fazer-nos sofrer a nós próprios, ou a algum
dos nossos, principalmente quando esse mal nos ameaça de perto” (Rt, II, 1385b). Sentir
piedade, nesse contexto, é o mesmo que se colocar no lugar do outro. Isto é: o
que se conhece atualmente por empatia. Isso faz com que a piedade não seja
sentida por aqueles que já sofreram bastante e não possuam mais esperanças, ou
por aqueles que se encontram em extrema felicidade, pois são soberbos e
arrogantes ao ponto de acharem que, por possuírem bens, não serão afetados
pelos infortúnios daqueles dignos de piedade. Já aqueles que sentem piedade,
para Aristóteles, são os idosos; os fracos; os covardes; os instruídos por
causa do calculismo nas situações; os que ainda têm pais, filhos e esposas; os
que não conseguem excitar as paixões incitadoras de coragem como a cólera, a
confiança e a insolência.
7. Indignação
(némesis)
“Contrapõe-se
sobretudo à piedade o que se chama indignação. À pena que se sente por males
imerecidos contrapõe-se de algum modo, embora provenha do mesmo caráter, a pena
experimentada por êxitos imerecidos” (Rt, II, 1385b). Aquele que
consegue ser feliz de forma injusta desperta a indignação.
8. Inveja
(zḗlos)
“A inveja
consiste numa certa pena sentida contra os nossos semelhantes devido ao êxito
visível alcançado” (Rt, II, 1387b). Nossos
semelhantes são, segundo Aristóteles, aqueles que são iguais em “estirpe,
parentesco, idade, disposição, reputação e posses” (Rt, II, 1387b). A inveja
também é atribuída pelo filósofo àqueles que estão a ponto de conseguir tudo o
que desejam, pois a desconfiança em todos é grande: as pessoas que são honradas
pela sabedoria e pela felicidade; os ambiciosos; os que se acham sábios; os
mesquinhos, por fim, todos aqueles que procuram o sucesso em determinada área,
são invejosos dentro dela.
9. Emulação
(khataphónēsis)
“A emulação consiste num certo
mal-estar ocasionado pela presença manifesta de bens honoríficos que se podem
obter em disputa com quem é nosso igual por natureza” (Rt, II, 1388a). Os bens
honoríficos são riqueza, muitos amigos, cargos púlicos e demais fatos
semelhantes. A emulação não se manifesta somente porque esses bens são de
outro, mas porque também não pertecem ao êmulo. Isso não o torna uma pessoa má,
porque ela usará os meios legais para conseguir os bens descritos acima,
diferentemente do invejoso, que fará de tudo para impedir o sucesso do outro.
Como nos diz o estagirita: “êmulos são aqueles que se julgam dignos de bens que
não têm, mas que lhes seria possível vir a obter, uma vez que ninguém ambiciona
aquilo que lhe é manifestamente impossível” (Rt, II, 1388b).
[1] Esse argumento foi utilizado por Sêneca: “As pessoas que
passaram toda a vida na desgraça devem suportar com forte e imutável constância
mesmo as dores mais graves. A perpétua infelicidade só tem isto de bom:
endurece por fim os que incansavelmente persegue.” (SÊNECA, 1988, Consolação à minha mãe Hélvia, p. 183). Tradução de Giulio Davide
Leoni.
[2] Aristóteles não explicita na Arte Retórica as pessoas, os lugares e o
momento devidos para a prática sexual.
[3] O Código Penal
Brasileiro, Art. 212, reza que o morto, por não ter mais a
capacidade de sentir a ofensa ou agressão física, não pode ser considerado
vítima de um crime. O que o código entende é a ofensa feita à sua memória e aos
familiares e amigos.
Excelentes esclarecimentos
ResponderEliminarObrigado!
EliminarGosto demais dos seus textos! Continue com essas excelente reflexões, meu amigo!
ResponderEliminarGrande abraço!
Obrigado meu amigo.
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