Por Joelson Nascimento
διαφέρειν δέ φασιν ἀρχὰς καὶ στοιχεῖα· τὰς μὲν γὰρ εἶναι ἀγενήτους <καὶ> ἀφθάρτους, τὰ δὲ στοιχεῖα κατὰ τὴν ἐκπύρωσιν φθείρεσθαι. ἀλλὰ καὶ ἀσωμάτους εἶναι τὰς ἀρχὰς καὶ ἀμόρφους, τὰ δὲ μεμορφῶσθαι.
Eles afirmam que os princípios e elementos são coisas diferentes, uma vez que os princípios não são gerados e são imperecíveis, e os elementos perecem na conflagração universal. Os princípios são incorpóreos e sem forma [...] (D.L. VII.134.10).
A leitura dos princípios estoicos como incorpóreos (asomatos) é seguida por alguns autores como von Arnim, Edlstein-Kidd, Tood, e Christensen, fundamentados no léxico da Suda(1). Isso cria uma dificuldade para a física estoica, pois, conforme Boeri e Salles, Os Filósofos estoicos: Ontologia, Lógica, Física e Ética, o termo asomatos vai de encontro à maior parte dos testemunhos que informam que, para os estoicos, só é causa aquilo cuja natureza é de caráter corpóreo (somatos).
Podemos notar o problema porque uma das condições para algo ser corpóreo é a sua sujeição ao impacto, quer dizer, a capacidade que um corpo tem de agir e ser afetado, garantindo, dessa forma, a relação causal entre os elementos constituintes dos seres. Se você parte de uma noção ‘abstrata’, acaba por impedir o impulso inicial que desencadeia o conjunto de causas para a criação do Universo. Ou seja, ou os princípios não interagem, o que atenta contra a cosmogonia estoica, ou interagem e são corpóreos. Todavia, com apoio da física contemporânea, podemos fazer algumas suposições despretensiosas, é claro, a respeito desse problema: é possível que os princípios sejam tão leves que aparentem ser incorpóreos?
Em 2015, dois cientistas, o japonês Takaaki Kajita, pesquisador da Universidade de Tóquio, e o canadense Arthur B. McDonald, cientista da Universidade Queen’s, receberam o Nobel de Física por uma descoberta importante para o conhecimento do funcionamento do Universo(2). Os neutrinos, uma das partículas elementares da matéria, são produzidos em algumas circunstâncias violentas ocorridas no Kosmos, como supernovas, blazares (3) ou fusão nuclear. São partículas subatômicas sem carga elétrica, muito menor do que um nêutron, daí a sugestão de seu nome. Eles são as segundas partículas mais abundantes, perdendo apenas para os fótons. Até então, por os neutrinos quase não interagirem com a matéria e viajarem tão rápido quanto a luz, os cientistas acreditavam que eles não possuíam massa. Isso indicava que para interagir com a matéria seria necessária uma quantidade incrivelmente grande de átomos, formando assim uma barreira densa capaz de bloquear alguns neutrinos. Mas como interagir sem massa?
É aqui onde os premiados cientistas surgem. Eles descobriram que em sua viagem do Sol à Terra, os neutrinos mudavam de “sabores”, isto é, um neutrino podia variar entre neutrino do múon, do tau e o do elétron. Essa mudança de identidade indicava que eles possuíam algum tipo de massa extremamente leve, suficiente para gerar a energia para a mudança. A partir dessa ideia, os neutrinos passaram a ser vistos como partículas possuidoras de massa. E isso culminou em outra descoberta: a de eles ser o ´gatilho’ para as explosões ocorridas nas supernovas, responsáveis pela criação dos elementos mais pesados, sem os quais o Universo, como o conhecemos, não existiria.
O que os estoicos nos dizem é que os princípios, incorpóreos, interagem entre si, funcionando como impulso inicial para a criação do Universo. Ora, se interagem entre si, é porque movimentam-se; se têm movimento, é sinal de que possuem energia, logo, devem possuir massa. O que eles não devem ter, por conta de seu estado energético, é uma forma corpórea definida.
No que concerne aos estoicos, uma possível explicação seria que, assim como os neutrinos, os princípios são energéticos, sem forma definida, tão leves e tão puros que podem ser tomados como incorpóreos, da mesma forma como os neutrinos foram considerados sem massa, no entanto, a medida em que possuem, mesmo em pequena quantidade, massa, eles podem se agrupar ao ponto de possuir a força necessária para serem sujeitos ao impacto, e, dessa forma, dá incío ao processo de criação do Kosmos: “Crisipo e Zenão, também levantaram a hipótese de que Deus é o princípio de todas as coisas, sendo um corpo muito puro[...].” (4)
4. Ippolito 'Refutat.' 21, 1 (Dox. Gr. P. 571). SVF I, 153.
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