Joelson Santos Nascimento (VIVA VOX / UFS)
in Anais do V Seminário VIVA VOX
Resumo
No
tocante à Declaração Universal dos Direitos Humanos, podemos considerá-la uma
resposta da comunidade internacional aos crimes cometidos contra a humanidade
ao longo dos anos 30 e
Palavras-chave: direitos, deveres,
dignidade
Abstratct
No corrente ano, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos faz 60 anos. Podemos considerá-la uma resposta
da comunidade internacional aos crimes cometidos contra a humanidade ao longo
dos anos 30 e
Stockdale, em suas reflexões,
percebe esse descompasso e procura trazer para o primeiro plano, ao lado da
questão dos direitos de todo cidadão, aquela de seus deveres. Para isso, parte
de um exemplo histórico de conduta que tem como base o dever, citando a célebre frase escrita na bandeira da esquadra
britânica comandada pelo Almirante Lord Horatio Nelson, na batalha de Trafalgar[4]. Podemos
dizer que essa frase posta na bandeira expressou o começo da derrota da
dominação napoleônica sobre a Europa. O Almirante Nelson tinha ordenado aos
seus homens que hasteassem uma bandeira na qual estava escrita a seguinte
frase: “England expects that every man will do his duty”[5]
Stockdale analisa o termo
“esperar”, contido na frase, no sentido de “expectativa”, isto é, o que se
espera de alguém em uma determinada situação ou em um determinado posto, pois
essa é uma idéia que faz parte da concepção de dever. E, para empreender essa
análise, reflete sobre as concepções dos gregos antigos quanto a esse tema.
A palavra usada pelos gregos
para definir virtude ou excelência moral era areté. Um homem bom, que possuísse areté, era aquele do qual se esperava o bom desempenho de seu
papel, independendo de sua situação particular no mundo. O que era esperado de
um bom sapateiro? Que fizesse bons sapatos. E de um bom navegador? Que
navegasse bem, principalmente sobre um mar revolto. E um bom soldado? Que
possuísse certas características em um campo de batalha, como, por exemplo,
coragem e obediência. A coragem (andréia)
devia ser a virtude do homem em todas as situações da vida, tanto na vida civil
quanto na militar. Para os gregos, o homem verdadeiramente bom deveria possuir
todas essas características não somente em função de sua profissão, seja de
sapateiro, navegador ou de soldado, mas também em função de sua humanidade.
Essa forma de definir o “homem
bom” perpassou o apogeu grego e influenciou o estoicismo através de uma célebre
metáfora muito usada pelos filósofos estóicos: a metáfora do ator, da peça
teatral e do dramaturgo. De acordo com essa metáfora, todo homem e toda mulher
eram chamados à bem desempenhar um papel escolhido pela divindade. Assim como
Ulisses que, tanto na Ilíada, quando
estava no papel de um valoroso guerreiro,
quanto na Odisséia, quando
cumpriu ora o papel de joguete nas mãos dos deuses, ora o de um homem sem
pátria e dependente dos favores alheios, não deixou de possuir e exibir as virtudes,
tais como nobreza e coragem:
...Não vês que nem com uma voz mais bela e com mais prazer,
Pólos interpretava Édipo Rei ou Édipo em Colono, errante e mendicante? Ora, um
homem nobre se apresentaria pior do que Pólos, na medida em que não
interpretasse belamente todo papel atribuído pela divindade? Não imitaria
Odisseu, que em farrapos não se distingui menos que em espesso manto púpura?[6]
Assim também como Sócrates, que, conforme
Platão nos diz
Grave falta, atenienses, teria cometido eu, que, em
Potidéia, em Anfípolis e Délio, permaneci, como qualquer outro, no posto
designado pelos chefes por vós eleitos para me comandar e ali enfrentei a
morte, se, quando um Deus, como eu acreditava e admitia, me mandava levar vida
de Filósofo, submetendo a provas a mim mesmo e aos outros, desertasse do meu
posto por temor da morte ou de outro mal qualquer. [7]
O filósofo estóico Epicteto
desenvolve essa reflexão de Sócrates:
Lembra que és um ator no drama[8]
teatral que o poeta dramático escolher: se Ele o quiser breve, breve será o
drama, se longo, longo; se quiser que cumpras o papel de mendigo, cumpre também
esse papel de modo digno. E, da mesma forma, se coxo, se magistrado, se simples
cidadão. Pois isto é teu: encenar belamente o papel que te é oferecido. Mas
cabe a outro escolhê-lo.[9]
Epicteto compara nossa vida a um
drama teatral onde nós somos os atores.[10] A
escolha do papel a interpretar, por exemplo, um mendigo ou um magistrado, fica
a cargo de Deus. O nosso dever é o de cumprir belamente e do modo digno o papel
que nos é oferecido.
Tornando à frase que Nelson
ordenou que fosse posta na bandeira, podemos indagar: será que ele, ao pedir
aos ingleses que cumprissem o seu dever como soldado também agiu como se deve?
O próprio Nelson perdeu um olho em ação, bem como, depois, o braço direito, e
ainda lutou durante os sete anos seguintes. Gravemente ferido, recusou
atendimento prioritário dos cirurgiões em prol de seus soldados. Robert
Southey, em sua obra intitulada A Vida
de Nelson fala-nos mais sobre sua personalidade:
Nunca houve um comandante mais amável. Ele governou
seus homens por meio da razão e do afeto; eles sabiam que ele era incapaz de
capricho ou tirania; e eles o obedeciam com prazer e alegria, porque ele
possuía a confiança e o amor de seus comandados. “Nosso Nelson” assim eles o
chamavam, “é bravo como um leão e gentil como um cordeiro”. Ele detestava
disciplina severa. Apesar de ter sido educado numa rígida escola, nunca
infligia punições corporais se fosse
possível evitá-las. E, quando era obrigado a aplicá-las, ele, que se familiarizara
com ferimentos e morte, sofria como uma mulher. Em toda a sua vida Nelson nunca
foi conhecido por comportar-se perante um oficial de forma não gentil. Em
Nelson havia mais do que facilidade e humanidade de uma natureza feliz [...] seu
olhar era ativo e cheio de benevolência, cada vez mais preocupado e não apenas
fazer justiça, mais fazer o bem.[11]
Estamos mesmo a falar sobre um líder
militar? O Almirante Nelson ficou conhecido como o maior estrategista naval da
história, pois se preocupou em cumprir o seu papel e, como foi dito, não
abandonou o seu posto.
Mas alguém poderia indagar: quais os
motivos que nos levariam a cumprir nosso dever? Stockdale responde a essa
indagação citando as três respostas oferecidas por Locke,
Duas dessas respostas, afirma
Stockdale, a cristã e a hobbesiana, derivam-se do comando de uma lei externa: a
lei de Deus e a do Estado (nesse sentido não seria difícil entender o porquê do
cumprimento da promessa religiosa e do contrato civil). A terceira, a resposta
grega, não se funda em uma compulsão externa. Ela mostra a possibilidade de
entender o dever como liberdade
da ação. Da mesma forma, a resposta estóica quanto à razão pela qual devemos
cumprir o nosso papel esta fundada na liberdade, sem recompensas e sem punições
que tenham sua origem na externalidade: “O dever, nessa perspectiva, tem uma característica absoluta. O dever é isto: sua própria justificativa”[16]. .
Nesse contexto, Stockdale cita o
exemplo do filósofo alemão Immanuel Kant. Também para este, a obrigação moral
está assentada em uma convicção interna do dever, em uma lei que provém de nós mesmos e não de um governo
exterior. Apesar de ter sido um homem religioso, Kant nunca invocou a religião
como justificativa de suas idéias, confiou apenas no que ele chamava de razão
pura. A lei definida por nós é resultado de nossa liberdade. Como a firma
Stockdale: “A antiga ironia da necessidade de disciplina para o exercício da
liberdade.”[17] A obrigação para cumprir o nosso dever deve ser incondicional.
O Imperativo Categórico foi o nome dado por Kant para o comando da consciência
para uma ação moral dentro do sentido puro do dever.
Pode-se indagar ainda: Qual
seria o lucro do cumprimento do nosso dever? O Almirante Nelson morreu em
batalha, no entanto foi vitorioso cumprindo seu dever. Sócrates não deixou de
cumprir as ordens do deus e morreu observando as leis de Atenas. Epicteto reza
a lenda, assistiu calmante o seu senhor quebrar-lhe a perna, mas não perdeu sua
dignidade. O próprio Stockdale foi torturado em Hanói e por pouco não “abandonou
o palco”; contudo, resistiu bravamente às tentativas de seus carcereiros de
humilhá-lo e fazê-lo denunciar seus companheiros.
Como dissemos, o dever pelo
próprio dever não busca recompensas e nem é coagido pelo medo das punições.
Esse caráter puro do dever
torna-se, nos dias de hoje, de uma forma geral, um assunto “chato, careta, impopular”,
pois, como dissemos vivermos num mundo onde as pessoas se esquecem de, ou mesmo
ignoram os seus deveres, especialmente quando não vêem no cumprimento desses
deveres qualquer perspectiva de lucro ou, correlativamente, não temem mais as
conseqüências externas do não cumprimento do dever. A perspectiva clássica e a
estóica, por outro lado, estimulam o cumprimento do dever associando a ele um
valor per se. Conquistamos
os direitos, mas em contrapartida nos afastamos dos deveres. Os exemplos de Nelson,
Odisseu, Sócrates, Epicteto, mostraram que foi preciso, para cada um deles,
fazerem uma escolha: a de tornarem-se livres para cumprir o seu dever. Mas esta
escolha não trouxe recompensas com as quais estamos acostumados quando
adquirimos nossos direitos. Nelson perdeu um olho e um braço em batalhas;
Odisseu ficou perdido por anos, sem conseguir voltar para casa; Sócrates foi
condenado à morte; Epicteto teve a perna quebrada por seu senhor. Enfim, são
exemplos que podem nos ajudar, por mais que seja impossível para alguns segui-los,
a pelo menos, quando falarmos em direitos perguntarmos antes: estamos cumprindo
nosso dever?
3- BIBLIOGRAFIA
ARRIANO, Flávio, O manual de
Epicteto: Apotegmas da sabedoria estóica, 2ª Edição, Tradução de Aldo
Dinucci, Antonio Tarquínio, São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2008.
BRASIL, Constituição da República
Federativa do Brasil (1988), 17ª edição, Brasília: Câmara dos Deputados,
Coordenação de Publicações, 2001. (Série Textos Básicos)
EPICTETO, Testemunhos e Fragmentos,
(Org.) de Aldo Dinucci e Alfredo Julien, São Cristóvão: Universidade Federal de
Sergipe, 2008.
NASCIMENTO,
J, S, Resenha do Manual de Epicteto: aforismos
da sabedoria estóica, in Prometeus: Filosofia em Revista, Ano 1 – No .1
Janeiro-Julho/ 2008.
PLATÃO, Apologia de Sócrates,
Tradução de Enrico Corvisieri, São Paulo: Editora Nova Cultural,1999. (Coleção
Os Pensadores)
STOCKDALE, James Bond, Duty in A Vietnam Experience: Ten years of Reflection,
STOCKDALE, James Bond, Courage Under Fire: testing Epictetu’s
doctrines in a laboratory of human behavior,
[1] ADORNO, Os
primeiros 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, p01
[2] ADORNO, Os
primeiros 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, p01
[3]
Constituição da República Federativa do Brasil, p.15
[4] A Batalha de
Trafalgar foi uma batalha naval que ocorreu entre a França e Espanha contra a Inglaterra,
em 21 de outubro de 1805,
na era napoleônica, ao largo do cabo
de Trafalgar, na costa espanhola. A esquadra franco-espanhola era comandada
pelo almirante Villeneuve, enquanto a inglesa era comandada pelo
almirante Nelson, para muitos o maior gênio em estratégia
naval que já existiu. A França queria invadir a Inglaterra pelo Canal
da Mancha, mas antes tinha que se livrar do empecilho que era a marinha
inglesa, comandada por Nelson.
[5] STOCKDALE, Duty in A Vietnam Experience:
Ten years of Reflection, p.67
[6]
EPICTETO, Testemunhos e fragmentos,
p.31
[7] PLATÃO, Apologia de Sócrates, p.55
[9]
ARRIANO, O manual de Epicteto:
Apotegmas da sabedoria estóica XVII, p.29
[10]
NASCIMENTO, Resenha do Manual de
Epicteto: Aforismos da Sabedoria Estóica
[11] Apud, Stockdale, 1992, p.69
[12] STOCKDALE, Duty in A Vietnam Experience: Ten years of Reflection, p.70
[13] Ibidem,
p.70
[14] Ibidem,
p.70
[15] Ibidem,
p.70
[16] Ibidem,
p.70
[17] “The age-old irony of the
necessity of discipline for freedom.
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